domingo

Bruxelas quer esclarecimentos sobre espionagem

Nota prévia: o Presidente da CE tem aqui um sério desafio à sua já débil
credibilidade na comunidade internacional. Pela sua crónica passividade com os fortes, é muito natural que Barroso finja que o assunto não lhe diga respeito, é com os Estados-membros, e, assim, será a Alemanha, mais uma vez, que assume o papel director de efectivo presidente das instituições comunitárias, ante um presidente formal em exercício que apenas cumpre calendário e desloca-se ao Corno d´Africa para fingir que está muito preocupado com a fome e as epidemias no mundo contemporâneo. 






Bruxelas quer esclarecimentos sobre espionagem (in Expresso)

Os serviços de inteligência dos EUA espiaram desde 2010, através do programa de vigilância Prism,a União Europeia, de acordo com a revista alemã "Der Spiegel".
Carolina Reis * com Lusa



A UE quer esclarecimentos sobre as suspeitas de espionagem feitas pelos EUA,
ontem revelada pela revista alemã Der Spiegel.

Ao jornal inglês "The Guardian", Martin Schulz, presidente do Parlamento
Europeu, afirmou que, se se confirmasse que as revelações pela feitas pela
Der Spiegel são verdadeiras, haveria um "grave impacto" nas relações entre a
UE e os EUA. O chefe da delegação da União Europeia nos EUA disse hoje à 
Lusa que o caso noticiado de alegada espionagem da CIA à UE está a ser 
acompanhado pelo Serviço Europeu de Ação Externa, em Bruxelas.  Já Martin
Schulz defende que as suspeitas devem ser "profundamente clarificadas".
A edição deste fim-de-semana da revista alemã Der Spiegel, que cita
documentos do ex-colaborador da Agência Central de Inteligência
norte-americana Edward Snowden, acusado pelos EUA de espionagem,
revela que a CIA espiou as representações da União Europeia nos Estados
Unidos.

Serviço Europeu de Ação Externa acompanha caso 


Questionado pela Lusa sobre de que forma os factos relatados na revista, 
citada no sábado pela agência noticiosa francesa AFP, poderiam afetar as 
relações entre a UE e os Estados Unidos, o embaixador João Vale de Almeida, 
chefe da delegação da União Europeia nos EUA, em Washington, respondeu 
por e-mail, através do seu assessor, que o assunto está a ser acompanhado
pelo Serviço Europeu de Ação Externa, em Bruxelas.

"Esta questão está a ser gerida de uma maneira centralizada, uma vez que
se refere a várias entidades da UE. Atuarei conforme instruções", adiantou
o diplomata, em mensagem publicada na sua conta no Twitter. 

A Lusa aguarda uma resposta do Serviço Europeu de Ação Externa, uma
espécie de Ministério dos Negócios Estrangeiros da União Europeia.

De acordo com a revista Der Spiegel, um documento da CIA de setembro
de 2010, classificado como "extremamente confidencial", descreve como a
secreta norte-americana espiava a representação diplomática da União
Europeia em Washington: o método usado implicava não só o uso de
microfones instalados no edifício, mas também o recurso à infiltração na rede
informática, que lhe permitia ler correios eletrónicos e documentação interna.

Peritos detetaram escutas 


A representação da UE nas Nações Unidas também foi espiada da mesma
maneira, segundo os documentos da CIA, nos quais os europeus são
designados explicitamente como "alvos a atacar".

A revista adianta que, há mais de cinco anos, peritos em segurança da
UE descobriram um sistema de escutas na rede telefónica e de Internet da
sede do Conselho da União Europeia, em Bruxelas.

À Der Spiegel, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, disse que,
a confirmarem-se os factos relatados, é "um escândalo gigantesco", que 
"lesaria consideravelmente as relações entre a União Europeia e os Estados
Unidos". Na quarta-feira, a UE pediu aos EUA, "tão rápido quanto possível",
respostas às suas questões sobre o programa de vigilância secreto
norte-americano Prism, divulgado por Edward Snowden.


Ler mais: http://expresso.sapo.pt/bruxelas-quer-esclarecimentos-sobre-espionagem=f817203#ixzz2XhhWrZMz

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quinta-feira

Um novo governo democrático: a democracia deliberativa



Chegámos a uma etapa da democracia contemporânea, na Europa e até fora dela, em que facilmente concluímos que os governos representativos, tal como os conhecemos, já não parecem suficientes para responder às verdadeiras exigências democráticas, logo às efectivas necessidades das populações e às expectativas das pessoas, das empresas, enfim, das sociedades no seu conjunto. 

A construção dos Estados nacionais traduziu-se, desde finais do séc. XVIII, por uma nova formulação do contrato político. A afirmação do princípio democrático conduziu à ideia de que era o conjunto dos cidadãos que constituía a verdadeira fonte de todo o poder, ou seja, não há outra autoridade legítima a não ser aquela que emana do povo. Na prática, não há limites aceitáveis salvo os que se apoiam no consentimento popular. Foi isto que teorizaram grandes filósofos da política, como J.J.Rousseau, A. de Tocqueville, S. Mill, entre outros na linha democrática. 

Foi, aliás, este princípio democrático o elemento veiculado pela lógica representativa, que envolve determinadas modalidades de organização do poder, i.é, o povo não é directamente responsável pela gestão da coisa pública, são os seus representantes eleitos que estão investidos do poder de decidir em seu nome. Assim, e ao invés da tradicional concepção da democracia participativa em que se realizava a participação directa dos cidadãos na vida da polis, a democracia moderna foi criada a fim de operar através de representantes eleitos pelos cidadãos, num contexto de uma competição organizada e em que esses candidatos se apresentam a eleições através de partidos políticos. E são esses sujeitos políticos, os representantes, que são mantidos no poder através de um controlo permanente da opinião pública. 

Mas se teoricamente as coisas são assim, na sua dimensão prática essas mesmas relações assumem contornos distintos. Cabendo, de facto, aos governantes o poder efectivo que lhes foi delegado pelos cidadãos, e, não raro, representam-nos mal, por vezes de forma criminosa e impune. 

O reconhecimento da impotência da chamada democracia representativa (DR), que também não foi melhorada pelas chamadas "democracias populares" da década de 90 dominante nos países socialistas que operavam na órbita soviética, veio colocar a tónica na necessidade de fazer progredir a democracia representativa através duma outra forma de democracia: a democracia deliberativa, porquanto a DR deixou de responder às necessidades dos cidadãos e às novas exigências democráticas. Desta feita, dizer que os cidadãos são governado através dos seus representantes, é reduzir os seus direitos políticos e a matar o ideal democrático que pressupõe que os cidadãos disponham sempre do controlo sobre os seus representantes assim como o controlo sobre as escolhas públicas feitas pelos governos em exercício de funções. 

Só assim a democracia se torna activa, o que é incompatível com a situação a que hoje assistimos em inúmeros países da Europa que se encontram em regime de protectorado, já que os cidadãos não são senhores dos destinos a que as suas políticas públicas conduzem, estão privados dos seus mais elementares direitos. É como estar liberdade, mas em regime de prisão preventiva. Os direitos, liberdades e garantias existem na Constituição, mas, na prática, as populações estão privadas do acesso ao emprego, os salários são-lhes confiscado, mesmo com decisões contrárias dos tribunais, a carga fiscal é draconiana e inconstitucional, etc. 

Donde a necessidade de a democracia representativa ver complementados e corrigidos os seus ineficazes mecanismos por elementos de democracia semidirecta, com o fito de corrigir aqueles abusos que se interpuseram entre governantes e governados.

A prática referendária, que visa assegurar que os cidadãos possam dar mais continuidade à democracia, a associação de grupos de pessoas a participar mais e melhor nos processos de tomada de decisão, e também os grupos de interesse e das corporações em geral, poderiam solicitar uma participação global mais intensa do público cujo resultado final seria uma melhoria das ideias e dos projectos políticos com vista ao aperfeiçoamento da máquina legislativa, ou seja, ter menos e melhores leis que permitissem uma mais eficaz governação. O conjunto destas mudanças, segundo Habermas, poderá ser a prova do empenhamento e de promoção de um modelo de políticas deliberativas que reforçaria as condições de governabilidade das sociedades contemporâneas. 

Desta feita, convergiriam para um mesmo ponto de luz os princípios e os fundamentos da lógica democrática, a qual agora beneficia duma permanente vigilância das redes sociais suportadas pela internet, que permite intensificar o fluxo das opiniões e das propostas políticas que influenciam (ou podem influenciar) as decisões finais. 

Talvez assim a democracia deliberativa possa valorizar as ineficientes democracias representativa e participativa e, ao mesmo tempo, vincular os cidadãos para um maior e mais responsável envolvimento nas escolhas colectivas. 



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A opinião de Ron Paul acerca da espionagem e do conceito de inimigo




Espionage is explainable when conducted against foreign governments or those belonging to organizations that wish us harm. But when it's done on a mass scale, on all local citizens, does this mean that we are the enemy? That the state believes that we all wish to do it harm? 


What happened to our ways which said that if the law had evidence which showed that a citizen was planning elicit activities, then, with court approvals, the gov't could conduct and monitor our personal lives? That with evidence, a citizen's personal liberties could be intruded upon?


Critically Thinking Canadian







Obs: Este talvez seja o argumento mais sagaz e inteligente para combater o poder discriccionário que a América exerce sobre os seus próprios cidadãos, violando, alegadamente, os seus direitos, liberdades e garantias. 

Ainda que o faça sob a estrita necessidade de manter a cruzada contra acções de terrorismo levadas a cabo em todas as partes do mundo e que, por vezes, são desmanteladas sem que a opinião pública disso tenha conhecimento. 

Portanto, aquilo que configura uma violação dos direitos dos cidadãos, designadamente o direito de comunicação sem ver essa esfera da privacidade vigiada (e violentada), também acaba por ser um instrumento para salvar vidas de forma discreta e eficaz. 

Por outro lado, o caso Snowden comporta uma outra dimensão/dificuldade: saiu do país e andou a dar entrevistas a jornais ingleses, e nelas referiu publicamente informações que fragilizam a América e algumas das suas instituições, e, esse facto, em solo estrangeiro, não pode deixar de ser visto por parte da Administração do Tio Sam como um desafio claro aos poderes públicos que hoje estão confrontados com a forma mais eficaz de governar sem, com isso, cercear aqueles direitos, liberdades e garantias. 

Este quadro de contradições revela uma outra coisa: a governação no séc. XXI revela-se mais complexa e contingente do que o foi em fases precedentes da história política moderna e contemporânea. 

Neste governo do invisível, do secreto e do opaco, de que nenhum Estado (democrático ou autocrático pretende abrir mão) há uma orientação seguida por todos, a qual defende que todas as acções (e omissões) dos governantes devem ser conhecidas do Povo Soberano, salvo alguma medida relacionada com a segurança pública (doméstica ou de âmbito estratégico), que deverá igualmente ser conhecida após passado o perigo. 

Ora, como é bom de ver, aqui o perigo, ou o pretexto (terrorismo) que o justifica, nunca mais passa...


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quarta-feira

Obama e o estado de direito. O mundo virado ao avesso


Ver ontem Obama dissertar sobre o estado de direito quando sobre ele, e a sua administração, impendem acusações graves de que sob a acção encoberta das suas agências de intelligence a vida de milhões de pessoas, dentro e fora das fronteiras da América, estão a ser vigiadas, ainda que a pretexto de prevenção de acções contra o terrorismo global, não deixa de ser uma ironia da história que a história real tem de saber gerir e resolver. 

Na prática, e considerando esta gritante contradição sempre existente entre a esfera do direito e a esfera da acção política, entre os valores e os princípios e a praxis política, que comporta o elemento violência física organizada (Weber) como forma de resolução de conflitos, a América de Obama, assim como as lideranças precedentes, deparam-se com a dificuldade de harmonizar a constituição de um império universal, com a expansão da economia de mercado, com a balcanização e a destruição das prerrogativas do rule of law dos Estados ocidentais tradicionais que, doravante, a América de Obama diz defender. 

A ter fundamento esta equação, ela traduz-se numa perda progressiva de influência e de autoridade desta administração, diante uma economia chinesa e russa a reconquistar posições cada vez mais interessantes à escala da economia global, a mais singular das quais se prende com a observação das normas do DIP - que, alegadamente, a República Imperial de Obama viola despudoradamente. É o mundo virado do avesso. 

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Edward Snowden e a recuperação da cultura da Guerra Fria: valores democráticos e contradições da realpolitik


Poderá referir-se que a "caça" aos terroristas, especialmente após o fatídico 11 de Setembro de 2001, fez com que o poder em Washington DC, integrasse como objectivo da sua política externa, em todos os azimutes, o reforço daquele propósito. Mas há sempre efeitos perversos na adopção de uma política, tanto mais se ela for dinamizada pela única superpotência restante da Guerra Fria (os EUA), que culminam em perigosas derrapagens e atentados às liberdades de comunicação dos cidadãos, intra e extra-muros. 

Como nos recordamos, o pós Guerra Fria levou para o sistema internacional, modelado pela globalização (neo)liberal emergente, um conjunto novo de direitos assente na exaltação do regime democrático, no reforço do rule of law e, por todos, a glorificação dos direitos humanos. Seja na política doméstica como na política externa, esta moderna trindade foi reconhecida como uma espécie de imperativo categórico (kantiano) que passou a ser constantemente evocado. 

Foi também a fórmula encontrada para conformar a mundialização liberal com a democracia cosmopolita que se pretendia estender às autocracias, como a Rússia e a China, sem sucesso, como se tem visto. 

Seja como for, o pós-Guerra Fria conheceu um novo ciclo que consistiu em conciliar os interesses e expectativas dos cidadãos (com aquela trindade de valores) como um pólo de valores contra a barbárie, vista sob uma das suas faces: violação da privacidade dos cidadãos, ainda que seja grave, na ponderação dos interesses e dos valores no cálculo do realismo de Estado, a traição ao Estado e às agências de informação que o integram. 

A compatibilização deste dois interesses, contraditórios por natura, revela-se difícil em momentos delicados da história, senão mesmo críticos nas relações bi e multilaterais entre as principais superpotências do mundo, que aqui partilham alguma cultura de desconfiança típica da Guerra Fria. 

Mas o que será, porventura, mais curioso neste caso suscitado pela fuga de E. Snowden, é que os segredos de Estado das democracias, considerados valores fundamentais, afundam-se hoje de forma galopante, do ponto de vista do direito, da ética e da moral universais. Enquanto que as velhas autocracias, como a Rússia e a China, ambas com tradições de poder imperial, se comportam, neste caso, como actores que observam o Direito Internacional Público, ainda que passem a vida a violar os mais elementares direitos, liberdades e garantias no interior das respectivas sociedades. 

Triste ironia da história, é aquilo que o "fim da história", segundo alguns, nos reserva... 


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O conceito de estado em trânsito nas relações internacionais. O caso Snowden


EX-CONSULTOR DA NSA
in DN

Putin confirma que Snowden está em Moscovo

por Agência Lusa, publicado por Susana Salvador
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou hoje que Edward Snowden está numa zona de trânsito de um aeroporto de Moscovo e que deve escolher um destino rapidamente e negou qualquer envolvimento da Rússia no caso.
"Ele é um passageiro em trânsito e ainda lá está. Snowden é um homem livre. Quanto mais depressa escolher o seu destino final, melhor para nós e para ele", disse Vladimir Putin numa conferência de imprensa durante uma visita à Finlândia.
O presidente sublinhou que a Rússia não tem um tratado de extradição com os Estados Unidos e recusou as acusações dos Estados Unidos de um envolvimento de Moscovo na viagem que levou o ex-consultor de Hong Kong para a Rússia.
"É verdade que Snowden veio para Moscovo. Para nós foi completamente inesperado", disse Putin. "Quaisquer acusações contra a Rússia sobre isto são um disparate", acrescentou.
Segundo Putin, Snowden, enquanto passageiro em trânsito, não precisa de visto nem de nenhum outro documento, sendo livre de comprar um bilhete e viajar para onde quiser. "Não passou a fronteira russa e, por isso, não precisa de visto", disse.
Edward Snowden, funcionário de uma empresa privada subcontratada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos, revelou a 09 de junho aos jornais britânico The Guardian e norte-americano The Washington Post a existência de dois programas de "vigilância em massa" de comunicações telefónicas nos EUA e de comunicações via internet no estrangeiro.
O informático, de 30 anos, refugiou-se em Hong Kong e, no domingo, dias depois de ter sido formalmente acusado pelos Estados Unidos de espionagem, viajou para Moscovo. Na segunda-feira, várias informações deram conta de que viajaria para Havana, mas o jovem não embarcou no aparelho e, até às declarações de Vladimir Putin, o seu paradeiro era desconhecido.

Obs: Já passaram mais de duas décadas da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria, mas a estrutura da relação entre as grandes potências internacionais (e não só) assenta no princípio da desconfiança internacional e da salvaguarda do interesse nacional permanente, qualquer que ele seja e com a elasticidade que o líder da superpotência entende depositar no assunto. Assim, para Putin interessa não deitar mão de E.Snowden e entregá-lo aos EUA, embora o pudesse fazer com um estalinho de dedos; assim como a República Imperial também não entregaria/extraditaria um cidadão que procurasse refúgio no território norte-americano fugido da China, da Rússia ou de Cuba. Pelo que este conceito de estado em "trânsito" evita muitos problemas internacionais, e revela aqui a debilidade da posição norte-americana que, além de andar a expiar o mundo, violando a sua excepcional Constituição e a dos países cujos cidadãos alegadamente tem expiado, também não tem acordo de extradição com a federação russa. Aliás, estranho seria se tivesse... Este é um assunto que merece ser seguido com atenção, porque reedita inúmeras questões da velha Guerra Fria, embora sob outras roupagens, mas a gramática de legitimação justificatória do poder não mudou nada. 

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terça-feira

As surpresas já não moram no Brasil ou na Turquia. Por - GUSTAVO CARDOSO

Nota prévia: Medite-se neste interessante artigo de Gustavo Cardoso. Nas matérias que versa revisito dois aspectos relevantes para a acção política em contexto de sociedade em rede: 1) uma Dilma pré-protestos que governava seguindo o modelo top-down, i.é, hierarquizado, da relação e da decisão política; e uma Dilma pós-protestos - em que foi obrigada a suavizar a sua comunicação política, a ceder em toda a linha e fazer promessas quem nem sequer sabe vir a poder cumprir. A esta luz, o Brasil, goste-se ou não, vive uma grande revolução sem sangue cujas consequências e balanço ainda estão por apurar. Ainda agora o "comboio da história" arrancou no Brasil..., e sabendo que ela nunca se repete, nada ficará igual à fase pré-protestos. Neste contexto, o povão-Brasil e boa parte da sua classe média, hoje em queda, deram uma lição democrática e cívica ao mundo contemporâneo. Nessa medida, todos os agentes políticos brasileiros ficaram mais humildes, não por convicção, mas pelo MEDO (hobesiano) do que serão as fúrias das massas no futuro próximo quando não vêem atendidas as suas legítimas pretensões sociais. 




OPINIÃO

As surpresas já não moram no Brasil ou na Turquia

Este é um artigo que pretende desmontar ideias feitas sobre os movimentos de protesto e esperança que nos acompanham há três anos.
O pretexto é duplo. Por um lado, os acontecimentos na Turquia e no Brasil e, por outro, um artigo de Moises Naim no El País intitulado “Turquía, Brasil y sus protestas: seis sorpresas” a quem agradeço o desafio intelectual das perguntas feitas e a possibilidade de discordar das suas respostas.
A minha discordância com Naim resulta do facto de ele sugerir que há surpresas nestes acontecimentos e eu entender que não as há.
Há sim cegueiras analíticas no poder político e na cobertura jornalística face ao descontentamento - algo normal num mundo em radical mudança de paradigma como aquele em que estamos viver nesta década.
Optei por rebater ponto por ponto as seis surpresas apontadas por Naim, questionando-as e dando respostas que procuram mostrar um outro olhar sobre os acontecimentos na esperança de nos afastar do senso comum e das ideias feitas que parecem imperar em muitos meios de comunicação de massa e também em posts e tweets que circulam na rede.
1. Terão os protestos origem em pequenos incidentes que se tornam grandes?
Na realidade não se trata de pequenos incidentes que se tornam grandes. É o sentimento claro de injustiça que está na origem dos protestos. Pode parecer à primeira vista que não o é, pois tentamos dar sentido à diversidade contida nos protestos e é mais fácil, mas menos exacto, assumir que se parte do pequeno para o grande protesto.
Aquilo a que assistimos nas avenidas do Brasil (e que já antes vimos em praças de muitos países) resulta do somatório de múltiplas vozes que tomam o espaço público da cidade - mas já antes estavam presentes nas conversas de café ou em família.
O que ocorre é que o elemento mobilizador é normalmente percebido como pequeno, mas é pequeno apenas porque na realidade é a gota de água que faz transbordar o copo do descontentamento.
Quando muitas gotas de água se juntam altera-se a percepção individual, a injustiça passa a ser sentida e partilhada em conjunto e o resultado é que os indivíduos tomam consciência de que estão a fazer parte de um movimento de protesto.
O que junta então as pessoas? Primeiro, um pequeno grupo de pessoas altamente mobilizadas perante uma causa e depois o mimetismo da acção.
Um mimetismo associado à mera cobertura do evento pelos meios de comunicação de massa que possibilitam que surja na mente de muitos a pergunta "e se eu me juntasse a eles? Não será já hora de sermos ouvidos?".
Quando a TV e a Rádio não fazem o seu papel, ou são percebidas como controladas pelo poder, são as redes sociais, via Twitter e Facebook, que fazem o passa palavra necessário para quebrar o receio e induzir a confiança baseada no número – “nós já aqui estamos, vem ter connosco à praça!”.
Não há nada de surpreendente em as pessoas quererem mais justiça e dizerem publicamente na rua aquilo que vêm dizendo em maioria absoluta nos inquéritos de opinião.
Desde há uma década que, em países em desenvolvimento ou desenvolvidos, os inquéritos realizados por sociólogos, por institutos estatísticos ou por empresas de sondagens mostram que a desconfiança nos partidos e nos políticos é galopante – “não acreditamos nestas políticas e nestes políticos” é a afirmação comum aos diferentes estudos.
Algo que está anunciado globalmente há mais de uma década não constitui uma novidade, mas as instituições e os actores políticos têm preferido manter-se em negação acreditando que o descontentamento passa - um erro crasso, como podemos hoje percepcionar pelo que assistimos.
2. Será que os governos reagem mal perante os protestos?
Não podemos generalizar quanto à reacção dos governos. É verdade que todos se sentem mal com a crítica e o desafio ao seu poder. É verdade que podemos agrupar os governos em termos de democracias e não democracias. É também verdade que quase todos, através de um qualquer nível de governo, acabam por colocar a polícia na rua. Mas também é verdade que as polícias não reagem sempre do mesmo modo e se há confronto e provocação em muitas situações, também há respeito mútuo e distância pacífica em muitas outras – aliás, o confronto desencadeado por poucos é a excepção que confirma a regra pacífica dos movimentos.
Provavelmente, o principal problema dos governos é a incapacidade comunicativa. Marcelo Branco, activista e analista social brasileiro, captou bem esse fenómeno quando afirmou que o Governo brasileiro não sabia comunicar nas redes sociais. E eu adicionaria que os governos não sabem nem comunicar nas redes sociais nem comunicar em rede - a subjectividade (isto é, o olhar sobre a realidade) dos governos está moldado pela comunicação de massa.
É muito difícil para qualquer governo assumir que governa mas perdeu a capacidade de falar com muitos dos seus cidadãos, porque deixou de conseguir pensar como eles e, consequentemente, não sabe comunicar em rede. A maioria dos governos contemporâneos ainda não compreendeu que vive na era em que "A mensagem são as pessoas" e já não naquela em que “A mensagem são as políticas”.
3. Será que os protestos não têm nem líderes nem cadeias de comando?
Quem olha para os protestos a partir do olhar das lutas de classe ou da oposição de interesses entre sindicatos e associações patronais vê protestos sem líderes e sem cadeias de comando. Logo, ou os descarta como protestos sem interesse ou, quando se vê empurrado para ter de lidar com eles, busca caras e nomes na tentativa de recuperar o modelo que lhe dá segurança, por ser aquele com que sabe lidar.
Essa lógica não é apenas aquela em que está imbuído o poder político, é também a do jornalismo tradicional na sua busca de rostos e pertenças ideológicas ou associativas.
Quem está na rua não representa ninguém excepto a si próprio - que é o belo ideal de pensamento e acção na base da democracia.
O que se pede ao jornalismo e aos que gerem instituições de poder hierárquicas é que sejam capazes de interpretar as críticas e as perguntas feitas nas ruas e, aos governantes no poder, que as traduzam em propostas e políticas de acção.
A quem está nos gabinetes das prefeituras, dos governos estaduais, das câmaras municipais ou nos governos nacionais ou federais cabe olhar para os que se representam a si próprios nas praças e saber ouvir.
É claro que o problema reside no facto de nesses gabinetes raras vezes se compreender a sociedade em rede, o seu funcionamento e que a autonomia do sujeito é a matriz de intervenção e de vivência da maior parte daqueles que tomam as ruas para protestar - e não se tem de ter um telemóvel com ligação à Internet para o fazer e pensar diferente.
O que assistimos é a um conflito cultural em que quem governa não compreende quem protesta e em que quem protesta espera que quem o representa tenha a mesma percepção cultural da realidade - algo que nada tem a ver com esquerda nem direita, mas sim, por um lado, com a busca do uso da autonomia pelos actores individuais e, por outro, com a tentativa de manter o controlo da acção por parte do poder político.
4. Não há com quem negociar nem quem encarcerar nestes protestos?
Há de certeza quem encarcerar, como se nota pelas imagens e descrições com que somos brindados a partir do teatro da acção nas ruas e praças. Já quanto a não haver com quem negociar essa é a pergunta errada, pois o que se deveria perguntar é o que é negociar na sociedade em rede?
Se entendermos a negociação como pessoas que se sentam à mesa para expor reivindicações e tentar atingir um ponto de entendimento, temos de assumir que os movimentos de protesto são na sua estrutura o oposto desse modelo.
Há de facto plataformas organizadas que podem negociar questões claramente identificadas, sejam elas o travar a destruição de um parque ou o aumento do preço dos transportes. Mas essa é apenas uma das partes do movimento e sempre minoritária. Sendo essa uma das características deste movimento, negociar implica também os poderes interpretarem as queixas dos milhões que autonomamente se representam a si mesmos.
Ou seja, implica compreender que o poder tem de agir politicamente tal como quando usamos um motor de busca na Internet. Perante uma questão posta na rua, cabe ao poder encontrar a resposta certa para essa questão. Ou seja, o poder político tem de interpretar, dar sentido ao que ouve e vê e apresentar possíveis listagens de resposta - entre essas possíveis respostas estarão as que servem as diferentes questões colocadas e a vontade das pessoas que as fizeram.
Neste modelo de negociação não há lugar à reunião à volta da mesa, pois a negociação só termina quando a potencial resposta à crítica se transforma em política e acção governativa concreta - entretanto, os governos têm de ser menos opacos e mostrar que estão a fazer algo no sentido que lhes é solicitado, pois só assim se cria confiança.
Na sociedade em rede não são só as sondagens que são permanentes no escrutínio das opiniões dos cidadãos sobre o que pensam sobre dado assunto e dado actor politico. São também os protestos e reivindicações que são permanentes e que necessitam de ser pensadas e trabalhadas por parte do poder do mesmo modo que permanentemente estão a inquirir a opinião pública - a comunicação é em rede, já não flui num só sentido.
É claro que tal não se coaduna com a lentidão dos gabinetes, dos parlamentos ou senados, mas se há tantos a criticar essa lentidão e aparente ineficácia (quando não acção dolosa para impedir a resolução dos problemas) talvez valha pena os governos questionarem-se sobre se a negociação não passa também pela mudança estrutural do entendimento sobre o que é negociar e governar na sociedade em rede.
5. É impossível prognosticar as consequências dos protestos?
Não é impossível, pois todos nós, os que estudamos estes fenómenos, temos vindo a analisar que na sociedade em rede a máxima de que “onde há injustiça percebida há revolta” tem outras nuances e conotações quando à sua forma, o seu desencadeamento e a sua acção.
Sabemos que no contexto de abundância de informação e comunicação, a noção de injustiça está muito mais latente e é partilhada por muitos mais - mesmo que não seja experimentada na primeira pessoa, há a percepção de solidariedade face a algo que é percebido como errado.
Sabemos também que há sempre sinais fracos que antecedem os eventos e, em todas as situações até agora vividas, os mesmos foram perceptíveis para muitos dos que estudam movimentos sociais, só que políticos e governantes decidiram desvalorizar a probabilidade de os mesmos ocorrerem.
Quando hoje estudamos movimentos sociais sabemos que mal um sinal fraco de protesto é visível, deve ser percebido como potencialmente mobilizador. Sabemos que a probabilidade de se transformar em protesto efectivo é hoje muito maior. É uma forma diferente de lidar com a antecipação, mas também ela é produto da nossa sociedade em mudança.
No entanto, é verdade que os governos lidam mal com a leitura de sinais fracos, preferem quase sempre acreditar mais que estão certos do que assumir que podem estar errados e dar o benefício da dúvida aos cidadãos.
Quanto ao prognóstico sobre para onde nos levam os protestos, a prática diz-nos que há vários padrões.
Nos regimes democráticos, os partidos dos governos perdem sempre algo - esse algo vai da queda em sondagens à perda de eleições, dependendo da confluência do momento do protesto com o ciclo eleitoral.
As oposições tendem sempre a ganhar menos do que o que é perdido por quem está no poder e, por sua vez, muitos cidadãos retiram-se da participação eleitoral para a busca individual de soluções em rede com outros que partilham o mesmo problema ou visão - ou então colocam-se à espera de que a mudança se torne mais visível no seio da política tradicional e que nos aproximemos de uma democracia mais próxima do nosso tempo.
Nos regimes não democráticos ou demo-autoritários o resultado é o desgaste lento até à implosão violenta (ou não) e a chegada de novos actores governativos - mas sem certeza de mudança radical do que se buscava no protesto.
No cômputo geral, para os cidadãos há sempre um ganho, algo muda, algo é atendido. Mesmo que no processo algo que se dava por adquirido seja colocado em causa, percebe-se que o actor individual pode ter autonomia, que pode influenciar o rumo de algo e essa é uma dimensão iminentemente gratificante para o ser humano - uma vez experimentado o poder de contar para algo, o ser capaz de influenciar a prática passa também a moldar a nossa identidade.
6. Será verdade que a prosperidade não compra estabilidade?
A relação entre estabilidade e prosperidade não é causal. Ou seja, não se trata de quanto mais prosperidade mais reivindicação e, consequentemente, como os poderes não podem responder tão rápido quanto o desejado, daí resultar incompreensão entre eleitores e eleitos, o que, por sua vez, provoca protestos e quebras de estabilidade.
A relação é muito menos causal e muito mais assente na generalização de um menor grau de tolerância dos indivíduos face quer às assimetrias de poderes, que limitam a autonomia individual, quer quanto à desigualdade de rendimentos que alimenta as injustiças.
O que se passa, mas que escapa a muitos que não estejam directa ou indirectamente envolvidos na acção de rua ou empatia com os movimentos a partir de casa, é que aqueles que estão em protesto estão efectivamente em ruptura com as normas e instituições que temos. E estão-no, porque efectivamente estão a olhar o mundo de forma diferente e a dizer "estamos a afundar-nos, já todos vocês o viram, mas nós não iremos junto convosco, iremos lutar por algo diferente!".
Pela sua acção, pelo dizerem basta, estão também a mudar a nossa forma de pensar e a tornar-nos menos tolerantes e mais exigentes para com o (mau) funcionamento da democracia e para com os que não sabem governar em rede com os seus cidadãos.
É claro que o poder, seja ele de direita ou esquerda, não convive facilmente com a crítica mas tem de aprender rapidamente o que é a crítica em rede e é isso que lhe está a ser dito há três anos nas praças e avenidas por quem se junta pelas redes sociais, formando redes sociais nas ruas.
Não há surpresas nos protestos, há é cegueiras políticas e acima de tudo uma incapacidade comunicativa entre o poder e os cidadãos, porque estão a viver mundos diferentes.
Da Turquia ao Brasil (e outros) vivemos o nosso descontentamento com o que temos, mas estamos a demonstrar – a quem souber ouvir – que o mundo muda quando queremos que mude.
Para mudar não é preciso ter um programa de governo, basta saber o que é injusto. As medidas e os programas surgirão da experimentação. Pois, nem sempre é preciso saber que caminho seguir, basta saber para onde se quer ir.
Gustavo Cardoso é Directeur D’études Assossiés na Maison des Sciences de L’Homme e docente do ISCTE-IUL

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domingo

Património Cultural - material e imaterial - de Portugal que integra a Humanidade com a chancela da UNESCO. Breves notas culturais




É sabido que no património material (PM) o mais importante são as coisas, no património imaterial (PI), o mais relevante são as pessoas. Foi esta mudança de paradigma que desviou o foco das atenções do PM para o PI, o que torna este tipo de património difícil de definir, interiorizar e classificar, mas é também o conjunto dessas dificuldades que torna esta empresa uma das mais desafiantes de desenvolver neste nosso novo tempo. 

Assim, à paisagem (natural), ao edificado, ao monumento e ao conjunto arquitectónico sobrepõe-se, doravante, as histórias das pessoas, a dança, a história, os gestos, as tradições, a língua e um conjunto de sinais, símbolos e bens culturais que integram o património dum povo que, podendo estar em vias de extinção e tendo valor cultural e identitário únicos, merecem ser recuperados, estudados, classificados e reconhecidos pela UNESCO, fazendo desse local, região ou língua um bem cultural único na humanidade que urge preservar e dar a conhecer ao mundo. 

Desta necessidade de estudo, preservação e classificação resultam questões interessantes que a UNESCO colocou, designadamente através de medidas para a salvaguarda desse PI e que foram consubstanciadas na adopção em 2003 da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (PCI), que suscitou, por sua vez, a questão de saber como aquela Convenção seria aplicada. Começando, desde logo, por definir o que é o PCI? por que razão é importante a salvaguarda desse património? que vantagens trazem para as regiões esses reconhecimentos? 

Abaixo alinhamos a lista dos lugares nacionais já reconhecidos pela chancela da UNESCO



• Alto Douro Wine Region (2001)
• Central Zone of the Town of Angra do Heroismo in the Azores (1983)
• Convent of Christ in Tomar (1983)
• Cultural Landscape of Sintra (1995)
• Garrison Border Town of Elvas and its Fortifications (2012)
• Historic Centre of Évora (1986)
• Historic Centre of Guimarães (2001)
• Historic Centre of Oporto (1996)
• Landscape of the Pico Island Vineyard Culture (2004)
• Monastery of Alcobaça (1989)
• Monastery of Batalha (1983)
• Monastery of the Hieronymites and Tower of Belém in Lisbon (1983)
• Prehistoric Rock Art Sites in the Côa Valley and Siega Verde (1998)
• University of Coimbra – Alta and Sofia (2013)
Natural
• Laurisilva of Madeira (1999)


Entre o PM, que é preponderante, o fado, enquanto PI, foi o ano passado reconhecido pela UNESCO - conferindo a Portugal uma visibilidade acrescida nesse conjunto de elementos identitários que ajudam a definir o património, a memória e a identidade, ou seja, o PCI que é transmitido de geração em geração e que induz nas comunidades e nos grupos que tratam estas questões mais de perto, um sentimento de identidade e de pertença que permite continuar a história e o projecto duma nação no sistema internacional.

Sucede, contudo, que este PCI é algo de dinâmico, pois os seus elementos estão constantemente a ser recriados pelas comunidades que, em função do seu meio e da sua interacção com a natureza e com a "fábrica" da história vão, eles próprios, fabricando a sua história. 

Tal como a história, a identidade é uma realidade construída a cada momento,  que se reconstitui e modifica em função dos factores políticos, económicos, históricos, biológicos, da imaginação colectiva e das narrativas de futuro que o passado recoloca no presente e, naturalmente, pelas normas, pelo peso da revelação da religião, entre outros elementos que pesam na definição das tendências culturais de um povo, na forma como organiza as suas memórias e no modo como, no final dessa linha, permite ao povo estruturar as percepções do tempo e do espaço com que tecem o presente. 

Sem a reunião destes elementos torna-se difícil um povo revelar a sua identidade face aos demais povos, sobretudo quando procura afinar a sua capacidade de representar simbolicamente a identidade dum grupo e duma nação. 

Portugal, por razões sobejamente conhecidas, é hoje uma nação sofrida, porque o seu povo vive uma depressão social, económica e financeira sem precedentes desde o 25 de Abril, de 1974. Há até quem defenda que esta depressão só se assemelha à que vivemos na Batalha de Aljubarrota, na crise de 1383/85, ao tempo de D. João I. 

Mas nem tudo é negativo entre nós, como estes reconhecimentos pela UNESCO têm revelado nos últimos 15 anos. Desta forma, e tomando em mãos a batalha da construção do futuro através do legado da memória colectiva, seja por via do PM seja por via do PI, pedra angular no nosso património, e cujo processo está em constante mutação e negociação, que agrega memórias oficiais e memórias informais, resta saber como é que as comunidades conseguem relançar o Zeitgeist a fim de dinamizar o chamado turismo cultural, que vive deste tipo de iniciativas, e, com ele, dinamizar a economia nacional para níveis nunca antes vistos. 

Se assim for, Portugal reconfirma algumas das suas mais sólidas expectativas: a de que o seu projecto nacional vive, cada vez mais, do turismo cultural, da potenciação dos elementos da sua história e identidade nacionais. Hoje, com a particularidade de vivermos um tempo diferente, porque composto da multiplicidade de culturas em presença, da crescente interacção e vivência em comum resultantes do mundo global em que coabitamos e, por fim, da própria dissolução das fronteiras físicas, políticas e administrativas que, se por um lado, potenciam aquela coabitação fazendo de todos nós seres culturais cada vez mais convergentes, por outro lado, destaca as diferentes identidades entre as culturas que a pós-modernidade trouxe neste universalismo emergente, cada vez mais balizado por ficções culturais e conflitos religiosos, étnicos de nacionalistas. 

Será, porventura, à luz deste novo contexto internacional de globalização cultural fracturante, que o Património Cultural Imaterial (PCI) poderá desempenhar uma função inestimável como factor de aproximação, intercâmbio e de entendimento entre os homens. Se assim for, o PCI tenderá a afirmar-se como um elemento infra-estruturante capaz de criar as novas condições de paz e harmonia entre os povos neste 1º quartel do séc. XXI. E, desse modo, integrar a filosofia da cultura que congrega os valores intrínsecos da UNESCO, fazendo da diversidade um elemento indispensável intra e intersociedades, assente no compromisso ético-moral de que os agentes e os sujeitos do novo conceito de desenvolvimento pertence a comunidades culturais concretas. 

O mais curioso e, ao mesmo tempo preocupante no plano do crescimento e desenvolvimento da economia nacional, é que ao avanço da terciarização da economia de serviços em Portugal, os sectores primário (agricultura) e secundário (indústria) não acompanham o índice de desenvolvimento e maturidade da economia de serviços (associada ao turismo), o que gera assimetrias, injustiças e desigualdades de Norte a Sul e do litoral ao interior deste Portugal do séc. XXI. 


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A Universidade de Coimbra - consagrada a alma mater da Humanidade pela chancela da UNESCO. O património intangível a sobrepor-se à mediocridade do resto do país




A Universidade de Coimbra é símbolo de uma “cultura que teve impacto na humanidade”

UNESCO anuncia este sábado a classificação da Universidade de Coimbra como Património Mundial. Decisão concretiza projecto com 15 anos.
Após quinze anos de um trajecto longo e complicado, a candidatura da Universidade de Coimbra foi hoje reconhecida como Património Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), decisão tomada na 37ª sessão do Comité do Património Mundial, que está a acontecer em Phom Penh, no Cambodja.
Apesar dos últimos pareceres feitos pelo ICOMOS – órgão consultivo da Unesco – que aconselhavam a não inscrição, já esta sessão, da Universidade de Coimbra (UC) na lista do património mundial, os vários representantes dos países do Comité do Património Mundial foram unânimes no reconhecimento da valor da candidatura.
Para além dos critérios no qual a candidatura vinha fundamentada, e que tinham que ver sobretudo com o valor patrimonial do conjunto de edifícios que integram a área da candidatura, foi acrescentando um terceiro critério que reconhece a UC como símbolo de uma “cultura que teve impacto na humanidade”, diz o reitor da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva.
“Para mim, como reitor, isso ainda torna este momento mais emocionante e especial. O que foi distinguido hoje pela Unesco não é apenas um conjunto de edifícios antigos e bonitos. A Universidade de Coimbra foi reconhecida como o ícone de uma cultura e de uma língua que é portuguesa, que ajudaram a modelar o mundo como o conhecemos. É uma coisa de uma dimensão extraordinária. Como reitor até me sinto pequenino perante uma coisa desta dimensão”, afirma.
Clara Almeida Santos, vice-reitora para a Cultura e Comunicação, que está no Cambodja a representar a universidade, diz ter ficado “comovida” com a forma como os delegados dos países membros do Comité do Património Mundial, subscreveram a “inscrição imediata da Universidade de Coimbra na lista de Património Mundial”, apesar do parecer do ICOMOS.
“E com intervenções que nos devem deixar extremamente orgulhosos, porque falaram na importância da universidade na divulgação da ciência e da língua portuguesa no mundo. O embaixador indiano referiu a importância da língua portuguesa como veículo de cultura e com uma influência expressiva na Índia. O embaixador tailandês agradeceu a Portugal ter levado as malaguetas para a Tailândia”, descreve.
“Ficámos muito orgulhosos de ouvir 21 membros de países diferentes, de todas as partes do mundo, a defenderem a inscrição imediata da universidade na lista do Património Mundial porque reconheceram nela um valor excepcional”, acrescenta o presidente da autarquia de Coimbra, João Paulo Barbosa de Melo, que está também no Cambodja.
Para o autarca, a decisão da Unesco representa uma “enorme responsabilidade” para a cidade, para a universidade e para o país de “fazer mais e melhor por este património que foi hoje distinguido”. “Hoje chega ao fim um trabalho de anos. Foi um trajecto difícil. Mas amanhã começa um novo desafio: começa o trabalho da universidade, da cidade e das autoridades nacionais de se empenharem ainda mais na valorização e preservação deste património e de cuidá-lo para futuras gerações. É uma grande responsabilidade”, afirma, convidando a cidade a “festejar” a decisão da UNESCO.
Para amanhã está marcada a inciativa “Coimbra em Festa”, que vai decorrer a partir das 16h na Praça do Comércio, na Baixa de Coimbra, e que vai contar com a actuação de vários grupos musicais.
Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, numa reacção à Lusa, considerou que a classificação beneficiará “a economia, o turismo, o conhecimento e o cosmopolitismo” da cidade, mas que também é “muito prestigiante” para Portugal.
“É um grande dia para Portugal e para Coimbra. A meritória candidatura a património mundial passou com brilho e beneficiará” a cidade em várias áreas, afirmou Paulo Portas numa declaração escrita. O ministro agradece “o trabalho impecável” não apenas do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), da Comissão Nacional da UNESCO e da embaixada, como também “o trabalho incessante dos promotores da ideia, desde a autarquia até à universidade".
Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros acrescentou que esta distinção é um “reconhecimento internacional, que agora é muito justamente atribuído a Coimbra”. Para o ministério, constitui um “motivo de orgulho e regozijo” para a cidade e para o país e “dá conta da confiança da UNESCO na capacidade de o Estado para preservar o valor dos seus bens patrimoniais”.
Já o presidente da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal, Pedro Machado, disse que a classificação “é uma grande porta que se abre” para o turismo da cidade. “É uma excepcional notícia Coimbra ter atingido este galardão”, declarou Pedro Machado à agência Lusa, realçando que a decisão do Comité da UNESCO “é o reconhecimento de Coimbra pela sua história, pelo seu património” e pelo papel da sua universidade, fundada em 1290, “na formação de tantas gerações espalhadas pelo mundo”.
Esta classificação, segundo Pedro Machado “pode posicionar Coimbra, mais e melhor, naquilo que é o desafio dos mercados em matéria de competitividade e atractividade” na área do turismo.
Walter Rossa, catedrático de Arquitectura da Universidade de Coimbra, não foi apanhado de surpresa pelo anúncio da classificação. “Acompanhei de perto o trabalho e, como tal, estava absolutamente convencido de que ia ser classificada”. Para Rossa, a universidade “tem um valor absolutamente excepcional na história mundial”. Como um dos investigadores co-responsáveis, na Fundação Gulbenkian, pela criação do portal www.hpip.org, que inventaria o património português espalhado pelo mundo, destaca que “o império português foi um dos primeiros dois à escala mundial, mas enquanto os espanhóis tinham várias universidades, o português só tinha Coimbra. Do ponto de vista da formação de quadros para todo o império, é imbatível”, acentua. “Não há outra instituição universitária que tenha tido essa relevância”.
Daí considerar que, mais que o património edificado – “e eu sou arquitecto, portanto estou à vontade para o dizer” –, o que é “verdadeiramente importante” é o “património imaterial, o valor cultural simbólico que a Universidade de Coimbra tem a nível universal”.
Para Coimbra, hoje, a classificação pela UNESCO significará, na visão de Walter Rossa, “uma responsabilização das entidades” perante a cidade, sua história e património, mas também dos cidadãos. “Estas distinções têm a enorme vantagem de os envolver nos processos de decisão e no dia-a-dia de gestão do património”. Tal pode ser muito importante numa cidade que precisa de “um grande impulso de regeneração urbana”.

15 patrimónios mundiais
Apesar de ser uma aspiração antiga, o projecto da candidatura começou a ganhar forma em 1999 a partir da tese de doutoramento que António Pimentel, actual director do Museu Nacional de Arte Antiga e o primeiro director científico da candidatura, realizou sobre o Paço das Escolas.
Com o tempo, a candidatura alargou também o seu âmbito: do Paço das Escolas passou a incluir toda a Alta universitária e Rua da Sofia, num conjunto de mais de 30 edifícios, e ao património material juntou o imaterial, como a produção cultural e científica, as tradições académicas, o papel desempenhado ao serviço da língua portuguesa.
A Universidade de Coimbra fica agora no restrito lote em Portugal dopatrimónio mundial da UNESCO, que sobe assim até às 15 classificações. Junta-se ao centros históricos de Angra do Heroísmo (Açores), Porto, Évora e Guimarães, aos mosteiros da Batalha e Alcobaça, ao Convento de Cristo (Tomar), ao Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, à paisagem cultural de Sintra, às gravuras rupestres de Foz Côa, à região do Alto Douro Vinhateiro, à paisagem da cultura da vinha da Ilha do Pico (Açores), às fortificações de Elvas e à laurissilva da Madeira.

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